Entrevista exclusiva com o CEO da Stella Tecnologia revela como IA embarcada e drones baratos estão transformando a guerra após a Operação Teia de Aranha
Em 1º de junho de 2025, a Ucrânia lançou a “Operação Teia de Aranha”, um ataque coordenado com 117 drones de baixo custo que expôs falhas críticas nas defesas aéreas russas e causou prejuízos estimados em mais de US$ 7 bilhões.
Conversamos com exclusividade com Gilberto Buffara Jr., CEO da Stella Tecnologia, sobre como a inteligência artificial embarcada, aliada ao edge computing e à impressão 3D, está transformando os drones militares em plataformas autônomas, letais e altamente escaláveis. A era dos enxames inteligentes já começou — e ela redefine o futuro da guerra.
- Como a Inteligência Artificial pode transformar o uso de Veículos Aéreos Não Tripulados, os famosos drones, no cenário militar atual?
A integração de inteligência artificial em veículos aéreos não tripulados está revolucionando as operações militares. A IA permite maior autonomia, capacidade de decisão em tempo real e eficiência operacional. Com ela, drones conseguem navegar, identificar alvos, adaptar rotas e reagir a ameaças sem depender totalmente de operadores humanos, reduzindo latência e aumentando o impacto tático.
- Em quais cenários operacionais o uso de VANT com IA embarcada é mais eficaz?
A aplicação da IA tende a ser mais eficaz em missões de vigilância, reconhecimento, monitoramento contínuo e apoio tático. Em ambientes complexos ou com grande volume de dados, como áreas urbanas ou fronteiras extensas, a IA é capaz de detectar padrões, comportamentos suspeitos e alvos com mais precisão. Em ataques coordenados, ela pode ser decisiva na seleção e priorização de alvos.
- Considerando o alto consumo energético dos algoritmos de IA e as limitações do hardware embarcado, quais são os principais desafios para sua implementação em drones? Seria mais viável investir em modelos simplificados embarcados ou em soluções baseadas em processamento remoto?
O alto consumo energético e as limitações de hardware embarcado desafiam a implementação de IA nos drones. Por isso, a indústria tem adotado soluções híbridas: modelos embarcados leves para decisões imediatas, e processamento remoto (quando há conectividade segura) para tarefas mais complexas. A tendência é o uso crescente de edge computing otimizado, com chips especializados (como NPU e TPU*) em aeronaves menores.
- No dia 1º de junho de 2025, a Ucrânia executou a "Operação Teia de Aranha". Como avalia o uso de drones compactos, possivelmente produzidos por impressão 3D, como armas de guerra de alto impacto?
O uso de drones impressos em 3D em operações militares de larga escala, como na “Operação Teia de Aranha”, marca uma ruptura no paradigma de produção bélica. Com baixo custo e alta eficiência em enxames, esses drones demonstram que volume, coordenação e inteligência coletiva podem compensar a falta de poder individual. A produção descentralizada e a rápida prototipagem reduzem barreiras logísticas e permitem escalabilidade.
- Que arquitetura de IA seria necessária para um ataque coordenado como o da Ucrânia?
Uma operação como essa requer uma arquitetura distribuída com IA embarcada, comunicação entre unidades (mesh network) e algoritmos de swarm intelligence**. As plataformas precisam ser capazes de identificar alvos, evitar ameaças e reconfigurar rotas em tempo real, mesmo em ambientes com jamming ou perda de comunicação com o centro de comando.
- O uso de drones de baixo custo, porém altamente sofisticados, podem representar uma mudança de paradigma na indústria de defesa e até mesmo substituir plataformas como o MQ-9?
Não se trata de substituição, mas de complementariedade. Drones baratos e letais permitem saturar defesas e realizar ataques precisos com baixo risco político e financeiro. Em alguns contextos, alcançam resultados táticos semelhantes aos de plataformas mais caras, principalmente em missões pontuais ou de desgaste. Isso pressiona os fabricantes a desenvolver soluções mais modulares e escaláveis.
- Estamos ingressando em uma nova era dos VANT?
Sim. O setor vive uma transição clara para uma era marcada por autonomia, IA embarcada e descentralização da produção. A redução de custos, o aumento da eficiência energética e a disseminação de sensores íveis estão transformando o mercado e abrindo espaço para novos atores, inclusive países em desenvolvimento e startups competirem em pé de igualdade com grandes players.
- Diante da possibilidade de produzir drones eficientes e de baixo custo em ambientes não controlados, como pequenas oficinas, quais são as implicações para a segurança global?
A fabricação de drones em ambientes informais, como oficinas e garagens, representa um risco crescente para a segurança global. A tecnologia está cada vez mais ível, o que democratiza a defesa, mas também empodera grupos terroristas e criminosos. - Como equilibrar o avanço tecnológico com a prevenção do uso indevido por atores não estatais ou grupos terroristas?
O setor defende políticas públicas que regulem a produção, uso e rastreamento de drones, além de investimentos em tecnologias de defesa contra enxames e ataques autônomos.
- Drones de grande porte podem neutralizar enxames hostis?
Sim, mas com limitações. Aeronaves de maior porte podem servir como plataformas de sensoramento, comando e controle, e até mesmo como vetores de armas defensivas (como lasers, contramedidas eletrônicas e mísseis de dispersão). O sucesso depende de uma integração precisa entre sensores avançados, IA para priorização de alvos e armamentos capazes de lidar com múltiplas ameaças simultâneas.
NOTA DA REDAÇÃO
*NPU (Neural Processing Unit) e TPU (Tensor Processing Unit) são tipos de processadores especializados para acelerar tarefas de inteligência artificial, principalmente aprendizado de máquina e redes neurais profundas.
** Swarm intelligence (inteligência de enxame) é um campo da inteligência artificial inspirado no comportamento coletivo de organismos naturais, como formigas, abelhas, pássaros e cardumes de peixes. No contexto de drones, trata-se de algoritmos que permitem a coordenação autônoma e descentralizada de múltiplos veículos aéreos não tripulados (VANTs) operando em grupo